“Então, disse eu: quem me dera asas como de pomba! Voaria e acharia pouso. Eis que fugiria para longe e ficaria no deserto. Dar-me-ia pressa em abrigar-me do vendaval e da procela.” Sl. 55.6-8
À mão o celular entre os papéis da mesa de trabalho e o notebook para consultoria de emergência. Diplomas na parede com espaço para o outro… Ela liga o computador e o monitor mostra a web programada em louvores. No mais das vezes, o primeiro que preste para dividir a angústia da solidão, enquanto mergulha nas tarefas como que para afastar o maior problema: as ilusões do falso profetismo que procrastina a realidade.
Dia iniciando em seu apartamento de cobertura na Floresta e local de muitos estresses para a mulher que padece de desamor que jugula. Entre as demais rotinas cuidar do filho e ganhar dinheiro honesto. (Porque o já quase ex-marido, candidato a obreiro de sua igreja, foi convocado para mais uma aula de algo chamado “doutrina revelada” e saiu desde as 5h e não tem hora para voltar…)
Dedos espertos e gestos da mão dizendo: este empurra com a barriga… este é fácil… barriga neste outro, mulher… amanhã eu cuido deste… êpa! eu não faço isto… não me corrompo! Ela destaca formulários com gesto maquinal enquanto atende ao telefone e faz anotações.
Contabilidade empresarial e de comércio exterior, declaração de impostos e relatórios são pequenas e simples tarefas que podem acumular num final de ano. Mas os procrastinadores acostumados a deixar tudo para o último dia dão trabalho… muito trabalho. Nada que represente dificuldades maiores… para quem é hábil.
Céus de dias de sol e noites enluaradas. Criada nos moldes cristãos, ela é detentora de disposição inata de fazer o bem sem olhar a quem. E num piscar de olhos, ao longe a pista de pouso de Pampulha (que ela sabe foi construído na década de trinta). Ela para e observa a aeronave em seu arremesso ao céu de brigadeiro. Então, cantarola, do Chico Buarque:
“A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir.”
Mas o número trinta… O ar de angústia em seu rosto não me passou despercebido ao vê-la balbuciar: “quem de dera ter asas como pomba.”
De repente a cortina se abriu e eu passei a ver além da competente profissional em sua mesa de trabalho. Era como algo comprometedor para a felicidade de qualquer pessoa: a montanha de papéis a emoldurar-lhe o ar de espanto e quase pânico. O que é isto?! Papéis por trás da mesa… montanha deles… sim! e estiquei a atenção para entender…
Sério! De tudo para esta mulher de trinta anos: comentários em algum blog que ela esboçou na mente mas não escreveu; descarte de email’s daquele devedor sem moral mas não excluiu; desejos da noite de amor e o medo de novamente perceber a rejeição; desestruturação familiar e distância forçada de alguns membros da família do obreiro religioso (ou já quase ex-marido); o complexo de inferioridade como o fantasma de algo que ela não consegue enxergar mas está em seus sonhos; o medo de ser obrigada a abandonar o casamento e fugir da cidade; os planos de passeio com o marido (ou já quase ex-marido) que não vingaram; os sonhos com o progresso na pós-graduação iniciada na UFMG e mais um deixa pra lá que não dá tempo…
Karen, às vezes, faz o tipo perfeccionista sobre detalhes mínimos que ninguém consegue enxergar. No mais, o fantasma da procrastinação… Sempre! Talvez, a razão de nunca terminar certas tarefas seja o medo do sucesso.
Pra quê sucesso profissional se ela não pode compartilhar com o marido (o icemita já quase ex-marido) enquanto preso à mentalidade religiosa que cada vez mais afasta um do outro, priva a intimidade do casal, e não lhes permite romancear e viver. Pela ideologia de Obra ele decidiu-se e dentro da mentalidade de Obra se comporta. Pelo contrário, ela anda em busca do maior dos encantos: o amor; mas o maridobreiro a despreza e foge dela depois do ato conjugal, como se cuspisse em seu rosto.
Que desprezo! Que despropósito esperar o amanhecer e conviver com aparências de vai-tudo-bem-obrigada e amargar a procrastinação da separação. Que estupidez perder os sonhos e o tesouro por causa da estupidez do orgulho religioso.
Karen às vezes se refugia em si mesma com desejo de dormir… dormir e não acordar… Desejo enorme e incompreensível. Desejo de morrer. (Certa vez esteve no beiral da sacada e chegou a olhar lá para baixo mas deu-se conta do instinto materno.) Desperta, recompõe-se e cuida de uma ou outra tarefa caseira e do filho, ainda adolescente. Depois, conversa com amigas no messenger… mas à distância, como que escondendo medos e disfarçando o seu sofrimento. Isso acaba gerando desgaste maior. Por mais quanto tempo? Quer gritar mas não consegue…
O dia passa e a noite vem com a montanha de papéis. O sentimento de culpa aumenta e ela sente culpa não pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer. Os sonhos… estes deixarão extravasar o inconsciente perturbador, porque sonhos mal interpretados são recorrentes e seus novos disfarces…
Sentada em sua cama ela abre o notebook na pasta de seu aniversário… dez meses se passaram… e então descarta alguns nomes do messenger. Finalmente! Quanto tempo! Que amigos de alma e de coração se grudam em afeição de comprometimento, desinteressada, sincera é verdade… mas são pouquíssimos e valem a pena mantê-los. Recolheu-se e dormiu profundamente…
Mergulho nesses lances do sofrimento de Karen, porquanto em seu e-mail ela me pergunta o que fazer (e me autorizou a dar resposta no Blog desde que usasse um nome fictício… para proteção do marido).
O pior acontece ao criarmos o hábito da avestruz que enfia a cabeça na areia. Por isso não posso procrastinar o fecho deste artigo, porque adiar compromissos traz alívio apenas temporário.
Que procrastinação é ato ou efeito de procrastinar, de deixar para depois, nós sabemos; mas procrastinação não pode ser padrão de vida para ninguém, muito menos o meu e o seu. Portanto, sair de cima do muro é imperioso.
Quais são as coisas reais que temos entregado nos últimos tempos? Será que somos procrastinados e não reconhecemos o sofrimento?
Quando será que daremos o extra de nós mesmos? Será melhor pensar que, sabotando-nos a nós mesmos, apenas evitamos a exposição ao ridículo? Será melhor procrastinarmo-nos, a nós mesmos, da felicidade conjugal, e emocional, e espiritual, e profissional que enriquecem; isto ao preço do falso profetismo que arrancou a meia parte da Karen (ou já quase ex-marido) para dele fazer o obreiro casado com a Obra e sem remuneração? Será que a autoridade eclesiástica tem direito de intervir no casamento pretendendo realçar a esquizofrenia religiosa mais que a família feliz?
Descanse, Karen. Durma bem. Não estou dizendo que não possamos ou não devamos descansar depois de um dia de trabalho mas temos muitas coisas para realizar na vida. O estresse exacerba quando fazemos da procrastinação a rotina (e falando nisto preciso dar uma geral na minha mesa e em alguns “papéis”).
O pior problema é que o falso profetismo procrastina por criar ilusões religiosas; mas nós, meros seres mortais, não gozamos o direito de nos dissociarmos da realidade. Priorizar ao invés de procrastinar: eis questão! Quando a religião interfere no casamento de modo a atentar contra o casamento e discriminar a mulher a ponto de provocar a separação, desagravar é necessário.
Se irresponsável quanto aos deveres conjugais o candidato a obreiro (e quase ex-marido) descarta o seu amor por Karen e declara-se estar casado com a seita religiosa, ele não passa de adúltero e procrastinador.
Se passarmos parte da vida procrastinando, quando nos dermos conta já passou muito tempo sem ação.
Você não tem o direito de fugir e procrastinar-se: DECIDA-SE!
Postergar nossas prioritárias decisões, torna-se um acumulo de muitas outras.
Vou procrastinar meu comentário aqui .srsrs
Amado, sinto-me profundamente tocada, por seu artigo…..
Sem palavras, porém, em reflexão deixo o meu abraço….
Avante!
Excelente reflexão, CV!
Verdadeiramente não gozamos o direito de nos dissociarmos da realidade.
Este é o verdadeiro culto. Viver.
Paz!
O interessante é que esse factível texto não me causa
estranheza nenhuma. Será porquê hein?
.
Quantas noites de amor perdidas, dias de lazer, comunhão
e companheirismo com aquela que Deus me deu.
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Maldita religião que rouba de nós até aquilo que DEUS
instituiu antes da “igreja”: A FAMÍLIA. Falo por mim mesmo.
Não procrastine mais querido(a)e viva uma vida
plena em Jesus. O nosso tempo é muito curto para viver
procrastinando em nome da religião. Chega de JUGOS.
SEJA LIVRE!
– obediência cega –
Prezado Cavaleiro Veloz,
Muito também me foi roubado pela obediência cega a um sistema religioso contraditório. Pelo menos acordamos a tempo do sono de q vivíamos num perfeccionismo religioso, que na verdade nos trouxe traumas, conflitos e a perda da convivência dos nossos amados, que não entendiam nossa alienação.
Que o Senhor te abençoe,
Lucas Rocha
Prezado irmão CV
O texto realmente tocou profundamente.
É uma lição pra nós que ainda estamos no início da jornada conjugal.
Obrigada por deixar que o Santo Espírito de Deus te guie e te use.
Paz em Cristo. ARosa
Tudo que nós toca…nós pertece. Que este artigo seja agente tranformador
dor…para todos que procrastinam a única razão de viver…AMAR E SER
AMADA!
muito bom, vou mostrar isso para minha esposa q esta na ceita
Durante quase vinte anos vivi tambem alienada,quase perdi meu casamento.
Louvo a Deus pelo livramento, mas as vezes fico triste pensando..quanto tempo perdi meu Deus!!!
Que deus tenha misericordia daqueles que ainda estão lá….
Deus o abençoe
Quanto às esposas dos obreiros e aos desejos íntimos que provocam (e é bom e natural que assim seja), isto é detalhe, apenas detalhe.
Detalhe secundário a que os sacrificados valentes da Obra não devem prestar atenção.
Enquanto dizem os mantras de olhos fechados e cegamente obedecem, não interessa ao servo da Obra se, de cego, não mais percebe que o seu casamento já foi para o brejo.
Dissociados da realidade.
Isto sim! A imposição dos medos e dos mitos faz de cada icemita-marido-obreiro algo como um boneco da Obra, um zumbi.
Boneco da Obra não ama a esposa e não tem tempo para ela porque a Obra vem em primeiro lugar. O resto (a esposa inclusive) é sobra….
Essa doutrina do GG arrasa com o amor conjugal e as famílias ficam num suspense…
Fujam!
Tô fora…
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É isso mesmo
Boneco da Obra aqui não tem vez.
http://www.youtube.com/watch?v=xmasj-nf-Xk
CV
[…] Outra árvore para cada uma das esposas dos pastores da ICM-Obra que padecem de rejeição de seus conjuges. Explico: mais forte que atender desejos íntimos e naturais de esposas, a paranóia do chefe muito religioso repercute na mente deles:
almoçamos a Obra, jantamos a Obra, dormimos a Obra, madrugamos a Obra, acordamos a Obra, trabalhamos… Mas a Obra é filho único. É aquilo que nós temos todos os dias de nossas vidas, enquanto nós vivermos. […]