O caso Maranata contra Samuel França

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Vistos em inspeção.

I – RELATÓRIO

Trata-se de AÇÃO ORDINÁRIA, com pedido liminar, ajuizada por IGREJA CRISTÃ MARANATA – PRESBITÉRIO ESPÍRITO SANTENSE em face de SAMUEL FRANÇA DE SANTANA e SOUNDWAY COMUNICAÇÃO EM ÁUDIO LTDA, estando as partes qualificadas nos autos.

A parte autora afirma, em sua causa de pedir, que, no início de 2009, criou a “Rádio Trombetas” e firmou com a empresa ré, por meio de seu representante e proprietário, também réu, contrato verbal de prestação de serviços de divulgação, a ser efetuado via web, por intermédio do site http://www.radiotrombetas.com.br , gerando, assim, direitos e obrigações a serem cumpridos por ambas as partes. Aduz que, após mais de três anos, constatada a impossibilidade de manutenção da relação contratual, a autora encaminhou, em 20/06/2012, notificação extrajudicial informando que, no prazo de trinta dias, o contrato firmado entre as partes estaria rescindido de pleno direito, sendo que a autora se responsabilizaria pelo pagamento da remuneração deste período final.

Alega que a parte ré deveria suspender em definitivo a utilização da expressão “Rádio Trombetas”, uma vez que a mesma é de propriedade da autora, porém, a empresa ré respondeu à notificação recebida afirmando que o IPI da expressão está no CPF do primeiro réu. Sustenta que os requeridos não são detentores legítimos do domínio, vez que a ré não passa de empresa contratada para prestar serviços relacionados à manutenção do site e à produção de áudio, sendo que a autora é elencada no site da empresa ré como um de seus clientes, o que revela os exatos termos da relação contratual existente.

Argui que a expressão “Rádio Trombetas” foi criada pela autora, mas, por ausência de boa-fé do Sr. Samuel, ora réu, o domínio do site foi por ele registrado em seu nome, de modo que o mesmo se apossou clandestinamente do domínio http://www.radiotrombetas.com.br , quando deveria atuar como prestador de serviços.

Pretende, assim, sejam os réus compelidos a se abster de utilizar o domínio http://www.radiotrombetas.com.br e a expressão “Rádio Trombetas” em qualquer contexto, bem como seja declarado que a titularidade e todos os direitos inerentes ao uso do referido domínio e da citada expressão pertencem exclusivamente à autora.

Decisão de fls. 123/124, que indefere a medida liminar pretendida.

Contestação acompanhada de documentos apresentada pelos réus às fls. 130/190, arguindo, preliminarmente, a ausência de interesse de agir e a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, aduz que o requerido começou a prestar serviços à autora em 2008, através da “Rádio Clarin”, porém, em decorrência de imprevistos que inviabilizaram o uso da referida rádio, no ano de 2009, o demandado Samuel criou a “Rádio Trombetas”, registrando o domínio http://www.radiotrombetas.com.br e prosseguindo, assim, a relação jurídica de prestação de serviços à autora, mediante remuneração.

Alega que, além do registro do site em nome do réu Samuel, a empresa ré, da qual o requerido Samuel é sócio majoritário, protocolou, em 21/05/2012, junto ao INPI, requerimentos para registro da marca “TROMBETA”. Argumenta que, a partir da data da publicação do pedido de registro, em 30/10/2012, iniciou-se o prazo de 60 dias para que terceiros se manifestassem através de oposição, o que, porém, não ocorreu. Afirma que, ao contrário do que alega a autora, nunca existiu exclusividade para sua programação na rádio, já que os requeridos possuíam vários outros clientes em sua grade de programação, sendo que, por óbvio, as mensagens “doutrinárias” da autora eram transmitidas “unicamente” por seus pastores, o que não poderia ser diferente.

Réplica às fls. 196/199.

Indagadas as partes sobre as provas que pretendem produzir, pugnaram pela produção de prova testemunhal e pelo depoimento pessoal.

Decisão saneadora às fls. 222/224, que rejeita a preliminar suscitada pelos réus, fixa os pontos controvertidos e defere as provas requeridas pelas partes.

Audiência de instrução e julgamento às fls. 241/242, oportunidade em que foi deferida a juntada de documentos apresentados pela parte ré referente a certificado de registro de marca.

Memoriais apresentados pela autora às fls. 254/259 e pelos réus às fls. 262/268.

Decisão de fls. 271/273, que converte o julgamento em diligência, indefere o pedido de desentranhamento de petições formulado pela autora em memoriais, bem como o pedido de desentranhamento do CD juntado aos autos, determinando, porém, a degravação da mídia e a intimação da parte autora para dela se manifestar.

Degravação da mídia às fls. 278/354.

Manifestação da parte autora às fls. 359/360.

É A SÍNTESE DO CASO. PASSO AO JULGAMENTO DA LIDE.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Pretende a autora a declaração de que a titularidade e todos os direitos inerentes ao uso do domínio http://www.radiotrombetas.com.br e da expressão “Rádio Trombetas” pertencem exclusivamente à autora, determinando, em consequência, que os réus se abstenham de utilizá-los. Pugna, ainda, para que seja oficiado Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), bem como o servidor LOCAWEB e qualquer outro órgão ou empresa pertinente, para que alterem o registro do domínio http://www.radiotrombetas.com.br , fazendo constar a autora como titular.

Consoante decisão de fls. 222/224, os pontos controvertidos da demanda foram assim fixados: (a) se o domínio http://www.radiotrombetas.com.br e a expressão “Rádio Trombetas” são de propriedade da autora (b) se a parte ré se apossou clandestinamente da expressão e do domínio criado pela autora quando deveria atuar apenas como prestador de serviços contratado para a divulgação do site; (c) se a referida rádio foi criada pelos réus para viabilizar a continuidade da prestação dos serviços contratados pela autora.

Passo a analisar, inicialmente, as questões atinentes ao domínio “radiotrombetas.com.br”.

Pelo que se extrai da inicial, em breve síntese, a autora alega que a parte requerida, embora contratada para prestar serviços relacionados à manutenção do site “radiotrombetas.com.br” e à produção de áudio, porém, segundo a autora, apropriou-se do domínio eletrônico do sítio “radiotrombetas.com.br” e o registrou em seu nome.

Com relação ao nome de domínio, vale registrar que se trata de sinal designativo utilizado para identificar e localizar o endereço eletrônico ou a home page de agentes que, de algum modo, exerçam atividade (econômica ou não) na internet e, conforme já observado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1466212/SP), “a despeito da divergência doutrinária sobre sua natureza jurídica (direito autônomo de propriedade ou direito derivado de outro incidente sobre bem imaterial), é certo que a Constituição da República de 1998 reconhece não só proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas, mas também a quaisquer outros signos distintivos (inciso XXIX do artigo 5º), expressão que abrange, por óbvio, o nome de domínio”.

Ademais, é importante ressaltar que, à luz do princípio fundamental denominado “First Come, First Server”, erigido pelo art. 1º da Resolução nº 01/98 do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o direito ao nome de domínio será conferido ao primeiro requerente que satisfizer, quando do pedido, as exigências para o registro. Dessa forma, o registro de nomes de domínio na internet, no Brasil, é regido por tal princípio, o que se verifica também no caput do art. 1º da Resolução nº 08/2008 do CGI.br:
Art. 1º – Um nome de domínio disponível para registro será concedido ao primeiro requerente que satisfizer, quando do requerimento, as exigências para o registro do mesmo, conforme as condições descritas nesta Resolução.

Assim, considerando que o requerido SAMUEL FRANÇA DE SANTANA fez o requerimento do nome do domínio disponível e que preencheu, à época, os requisitos necessários para o respectivo registro, pelo princípio do “First Come, First Server”, é o réu o titular do direito ao nome de domínio.

Para afastar essa conclusão, caberia à parte autora comprovar que houve, de fato, negócio firmado entre as partes que previa a titularidade da autora sobre o domínio e que o registro foi sorrateiramente realizado em nome do réu. A transferência da titularidade à autora demandaria, então, prova de que a autora agiu, desde sempre, como se dona do domínio fosse e de que houve a má-fé de quem promoveu o registro.

Contudo, do que se extrai dos autos, a autora não se desincumbiu do ônus da prova, já que não há elementos que demonstrem que houve esse acordo prévio entre as partes de que a titularidade sobre o domínio seria da autora ou que a autora agiu, a todo tempo, como se dona fosse, tampouco que evidenciem que houve má-fé da parte requerida no respectivo registro, até porque a autora somente veio a se insurgir contra o referido registro após o rompimento da relação jurídica havida entre as partes.

Por outro lado, os requeridos demonstraram, por meio de prova testemunhal (fl. 242), “que o proprietário da Rádio Trombetas é o requerido Samuel França de Santana”. Demonstraram, também, que a referida rádio era utilizada pela parte requerida para veiculação de spots comerciais de outras empresas, consoante contratos de fls. 177/185, o que afasta não só a ideia de que a autora agiu como se dona do domínio fosse, como também de que a rádio foi criada exclusivamente para viabilizar a continuidade da prestação dos serviços contratados pela autora.

Portanto, entendo que não há elementos suficientes nos autos a autorizarem a revisão do registro do domínio “radiotrombetas.com.br”.

No que se refere à expressão “Rádio Trombetas”, a autora sustenta que se trata de expressão idealizada pelo Presbitério da Igreja Maranata Cristã, tendo a empresa requerida sido contratada apenas para concretizar essa criação. Requer, assim, a suspensão de utilização, pelos requeridos, da referida expressão.

No entanto, as provas produzidas pela autora não se mostram suficientes para embasar a sua pretensão. Isso porque as notificações de fls. 28/33 são documentos unilaterais e que não se prestam a comprovar o seu teor. As notas fiscais emitidas pela empresa requerida em razão dos serviços prestados à autora (fls. 35/86) não implicam a conclusão de que a expressão fora criada pela autora, mas comprova tão somente a contratação da empresa requerida para prestação de serviços, o que, à luz do conjunto probatório, sobretudo dos contratos de prestação de serviços firmados entre a ré e outras empresas (fls. 177/189), evidencia situação completamente diversa. A ata notarial de fls. 94/114, por si só, também não tem o condão de demonstrar o alegado na inicial.

Assim sendo, a autora não obteve êxito em comprovar os fatos constitutivos de seu direito, na forma do art. 373, inciso I, do CPC/2015.

Por outro lado, do depoimento da testemunha colhido em Juízo (fl. 242), é possível depreender que “o proprietário da Rádio Trombetas é o requerido Samuel França de Santana” e que “a mesma foi idealizada pelo requerido Samuel França com a finalidade de divulgar o Evangelho”.

Além disso, a empresa requerida comprovou, às fls. 167/176, que, em 21/05/2012, depositou o pedido de registro da marca de serviço “Trombeta”, que foi concedido em 14/04/2015, consoante certificado de registro de marca de fl. 243.

Esclareça-se, neste ponto, que a Lei nº 9.279/96 regulou os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e, especificamente quanto à propriedade da marca, dispôs, no caput do art. 129, que:

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.

O registro da marca junto ao órgão competente é, portanto, a condição para a aquisição da propriedade da marca.

A partir dos documentos colacionados, constata-se que a empresa requerida é a proprietária da marca de serviço “Trombeta”, cuja especificação, na forma do certificado de fl. 243, é de “mensagem (transmissão de -); radiodifusão; […] radiocomunicação; radiofonia; televisionamento”.

Dessa forma, sendo a requerida a proprietária da marca de serviço “Trombeta”, vinculada justamente aos serviços de radiodifusão, não há como acolher o pedido da autora para determinar a suspensão do uso da expressão “Rádio Trombetas” pela parte requerida.

III – CONCLUSÃO

Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE A PRETENSÃO AUTORAL, com fundamento no art. 487, I, do CPC/2015.

Firme ao princípio da causalidade, CONDENO a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios em favor do patrono da requerida, fixando-os, por apreciação equitativa, em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), nos termos do art. 85, §8º do CPC/2015.

Na fixação dos honorários, levei em consideração a excelência e o grau de zelo do trabalho realizado pelo ilustre advogado dos réus e as intervenções no processo, bem como o tempo exigido para o seu serviço e a necessidade de realização de audiência de instrução e julgamento.

P.R.I.

No caso de interposição de recurso de apelação, CERTIFIQUE-SE DA TEMPESTIVIDADE e, após, intime-se o apelado para, caso queira, apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias. Se o apelado interpuser adesivamente, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões. Ao final, remetam-se os autos ao Eg. TJES, independentemente de juízo de admissibilidade, nos termos do art. 1.010, 3º, do CPC.

Após o trânsito em julgado, calculadas eventuais custas remanescentes, intime-se a autora para pagamento e, no caso de inércia, proceda-se à inscrição online junto à SEFAZ/ES, em observância aos artigos 116 e 117, do Código de Normas, da Corregedoria Geral de Justiça/ES.

Após, nada mais sendo requerido, ARQUIVEM-SE os autos com as devidas baixas.

VILA VELHA, 04 de maio de 2017.

GLICIA MONICA DORNELA ALVES RIBEIRO
Juiza de Direito

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Caso copie mencione http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/o-caso-maranata-contra-samuel-franca/

Já havia comentado que a demanda de Maranata contra Samuel França (Radio Trombetas) seria julgada IMPROCEDENTE.

“O SENHOR é minha bandeira.”

CV