Habeas Corpus – Denegado o trancamento de ação penal

Uso denegado: Irregularidade fiscal do destinatário.

RECURSO EM HABEAS CORPUS No 121.901 – ES (2019/0372291-0)

RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO

RECORRENTE : W R

ADVOGADOS : ANA PAULA LAGAAS – ES 023410

CLAUDIO RIBEIRO BARROS – MG 183969

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

DECISÃO

Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por W R em face do acórdão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que denegou o writ de origem.

O acórdão do Tribunal a quo tem a seguinte ementa (fl. 322):

EMENTA: HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL.

MEDIDA EXCEPCIONAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA

CAUSA. NÃO DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM

DENEGADA.

  1. A inicial acusatória preenche os requisitos do art. 41, do CPP, descrevendo conduta típica e apontando fortes indícios de autoria e materialidade delitiva, não havendo causas de extinção da punibilidade, razão pela qual não há que se falar em trancamento da ação penal por ausência de justa causa ou atipicidade das condutas.
  2. O trancamento da ação penal, de forma prematura, pela via do habeas corpus, só é possível em situações excepcionais.
  3. Ordem denegada.

O recorrente foi denunciado pela prática dos crimes tipificados nos arts. 288 c/c o art. 61, inciso II, alínea “g” e art. 171, § 3°, na forma do art. 70, c/c o art. 61, inciso II, alínea “g”, ambos os crimes na forma do art. 69, todos do Código Penal.

Neste recurso, argumenta-se, em síntese, a ausência de justa causa para a acusação dos ilícitos imputados ao paciente, pretendendo demonstrar a atipicidade dos crimes, asseverando que em verdade, a ação penal contra o acusado carece de justa causa, por falta de nexo de causalidade entre a conduta e o suposto ilícito, sendo totalmente equivocados os fundamentos jurídicos, bem como o órgão acusador não se desincumbiu da imprescindível tarefa de declinar algum elementos de prova para sustentar a acusação (fl. 342).

Nestes termos requer o provimento do recurso para que seja trancada a ação penal no que se refere aos delitos previstos no art. 288 e art. 171, § 3o, ambos do CP.

A liminar foi indeferida.

As informações foram prestadas.

O Ministério Público Federal ofertou parecer, manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do recurso.

Na origem, o processo n. 0016347-86.2013.8.08.0024, oriundo da 2a Vara Criminal da Comarca de Vila Velha, encontra-se com audiência de instrução e julgamento redesignada para 14/5/2020, conforme informações processuais eletrônicas do site do Tribunal a quo consultadas em 6/3/2020.

É o relatório.

DECIDO.

Conforme relatado, pretende a defesa o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, indicando serem atípicas as condutas atribuídas ao paciente. Da exordial acusatória, colhem-se os seguintes excertos (fls. 70-72, 76; 79; 89-91; 92-93; 99; 104; 107; 111-113; 115; 118-120):

[…].

  1. A denúncia segue subdividida em capítulos, os quais aglutinam aspectos objetivos (qual o crime praticado) e subjetivos (quem incorreu na conduta penalmente relevante).
  2. B) Primeira Imputação Quadrilha ou Bando (art. 288f do Código Penal Brasileiro) – Gedelti Victalino Teixeira Gueiros, Antônio Ângelo Pereira dos Santos; Arlínio de Oliveira Rocha; Mário Luiz de Moraes; Wallace Rozetti; Amadeu Loureiro Lopes; Antônio Carlos Peixoto; Antônio Carlos Rodrigues de Oliveira; Jarbas Duarte Filho; Leonardo Meirelles de Alvarenga; Carlos Itamar Coelho Pimenta; e Sérgio Carlos de Souza:

[…].

  1. Pelo que foi apurado, os 12 (doze) primeiros denunciados, de modo convergente e em conluio, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de doações, dízimos e contribuições oferecidas à Igreja Cristã Maranata, de tal modo que, aproveitando- se da imunidade tributária aos templos de qualquer culto, prevista no art. 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição Republicana de 1988, viabilizaram a utilização dos recursos pertencentes á ICM em proveito e regozijo próprio.
  2. Nesse diapasão, os valores obtidos com as doações, por expressa disposição do art. 9.° do Estatuto, os quais deveriam ser investidos em assistência social e na manutenção dos cultos (atividades beneficentes), foram desviados de sua finalidade precípua, para atender aos interesses particulares dos ora denunciados.
  3. Com o objetivo de acobertar as irregularidades praticadas e justificar os gastos da Instituição, os acusados se valiam ora da constituição fraudulenta de empresas, ora da utilização de outras já constituídas, contratando serviços por valores acima dos padrões de mercado, além de confabular escrituração de notas fiscais superfaturadas de empresários que também eram ou são membros da Igreja.
  4. Os levantamentos efetuados demonstram a existência de empresas de prestação de serviços e fornecimentos de mercadorias, com sede no Estado do Espírito Santo e também fora do Estado, relacionadas direta ou indiretamente com a ICM, utilizadas para circulação ilícita de capitais.

31.O vínculo, de caráter duradouro e estável observado entre as empresas, membros da Igreja Cristã Maranata e o Presbitério Central, possibilitou a dissimulação de atos irregulares praticados, consistentes na venda de mercadorias ou prestação de serviço, sem a correspondente nota fiscal idônea a atestar o valor de mercado, ou mesmo sem a entrega do produto ou execução da tarefa avençada.

32.Com efeito, o modus operandi empregado pelo grupo criminoso evidencia que houve entre os acusados um conluio espúrio para a prática dos delitos imputados ao longo desta exordial penal viabilizando dessa forma a perpetuação dos atos ilícitos no âmbito da Igreja Cristão Maranata, consistente no reiterado desvio de dízimos e contribuições destinadas ao Presbitério.

[…].

  1. Em outras palavras, pode-se dizer que a organização ora denunciada era subdividida e estruturada em setores específicos, cada um colaborando da sua forma para alcançar o objetivo criminoso em busca de uma forma individualizada de contraprestação; porém, tudo o que era decidido deveria passar pelo crivo do Presidente, GEDELTI GUEIROS.

[…].

  1. Os demais membros da Comissão Executiva, por seu turno, atuavam com união de esforços para chancelar as irregularidades praticadas e outras decisões provenientes do núcleo da ICM, sempre sob as ordens de GEDELTI GUEIROS, que, repita-se, detinha o domínio funcional de todos os crimes perpetrados, caracterizando-se como chefe do organograma delituoso.

[…].

48.O acusado WALLACE ROZETTI foi o Primeiro-Tesoureiro, muito hábil e conhecedor da área de tecnologia e informática, cabendo-lhe toda a parte de arrecadação, verificação de gastos, assinatura de cheques, pagamentos de contas, realização de balanços (fls. 1102), condição que lhe permitia cognição dos ilícitos praticados, sendo que sua conduta permitia o pagamento das notas emitidas de forma inidônea.

[…].

54.O concerto do crime levado a efeito no âmbito da quadrilha aqui descrita ganha especial relevo e gravidade na medida em que todos eram, ao tempo do crime, detentores de cargos, ou mesmo exerciam o ministério de pastor ou diácono no âmbito da Igreja Cristã Maranata tal modo que a prática delituosa perpetrada é penalmente agravada pela inobservância dos deveres etiológicos inerentes ao exercício destes cargos e ministérios (art. 61, inciso II, alínea “g”, do CPB).

55.Frise-se: a simples contratação das empresas de propriedade dos pastores e membros da ICM, notadamente daqueles que compuseram a cúpula gestora da entidade religiosa, bem como a remuneração direta e indireta que auferiram, conforme o acervo probatório produzido, por si só caracterizam o licito e demonstram a verdadeira e dolosa intenção de utilizar a instituição, efetiva vítima de seus gestores, e travestir o discurso religioso atenção das mais diversas vantagens indevidas.

[…].

  1. C) Segunda e Terceira Imputação – Estelionato Majorado (art. 171, § 3.e, do Código Penal Brasileiro) Geldeti Victalino Teixeira Gueiros; Antônio Ângelo Pereira dos Santos; Arlindo Oliveira Rocha; Mario Luiz oe Moraes; Wallace Rozetti; Amadeu Loureiro Lopes; Antonio Carlos Peixoto; Antônio Carlos Rodrigues de Oliveira; Jarbas Duarte Filho; Leonardo Meirelles de Alvarenga; Carlos Itamar Coelho Pimenta; e Sérgio Carlos de Souza e Duplicata Simulada (art. 172, do Código Penal Brasileiro) – José Eloy Scabelo, Ricardo Alvim Madela de Andrade; Daniel Amorim, Daniel Luiz Peter; Paulo Pinto Cardoso- Sobrinho, Wellington Neves dá Silva e Urquisa Braga Neto: […].

83.A trama funcionava da seguinte forma: quando Júlio César chegava com os equipamentos, alguns denunciados, tais como, ANTONIO ÂNGELO, WALLACE ROZETTI e MÁRIO MORAES pediam para que Wellington encontrasse uma forma para pagar Júlio. Assim, como Júlio César não possuía nota fiscal, uma vez que os equipamentos eram adquiridos no Paraguai, Wellington buscava junto a outros fornecedores da ICM, notas fiscais que, na verdade, não representavam efetiva prestação de serviço ou fornecimento de produto, para justificar a saída de dinheiro do Presbitério e assim remunerar Júlio César.

[…].

  1. No que tange aos equipamentos a serem destinados ao Setor de Informática, a pessoa encarregada de providenciar as notas era Halen, a pedido de WALACE ROZZETI, que confirmava a despesa.

[…].

  1. Em depoimento prestado perante a Polícia Federal (fls. 62/76 do Anexo XI), Marcelo Lira Martins confirmou que de fato existia a emissão de notas ficais por parte de fornecedores sem a efetiva prestação de serviço e sem a entrega efetiva do bem para ajudar “irmãos” nacionais ou estrangeiros “necessitados”. Ainda segundo Marcelo, tudo era feito por ordem direta, na maioria dos casos, de ANTÔNIO ÂNGELO, recordando-se que, em uma oportunidade, WALLACE ROZETTI determinou ao setor competente a realização de pagamento por serviço não prestado, a fim de gerar recursos para cirurgia odontológica voltada à recuperação de dentes de dois “irmãos” africanos.

90.Colacionou, ainda, que também foram emitidas notas como forma de remunerar os serviços prestados pelas empresas de WALLACE ROZETTI (cursos a membros e funcionários da ICM), já que, pelo Estatuto da ICM não poderia ser feito pagamento direto a ele (evidenciando, sobremaneira, o meio fraudulento, artificioso).

[…].

  1. Sobre o referido dinheiro proveniente do fundo de reserva (“caixa dois”), Marcelo disse que chegou a pagar despesas pessoais de ANTONIO ÂNGELO, como de cartão de crédito e algumas contas de telefone. Afirmou ainda que R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) do “fundo paralelo” também foram dados para WALLACE ROZETTI, quando passava por dificuldades financeiras. O “fundo” era utilizado igualmente para repassar dinheiro para Júlio Cesar Viana, em razão da compra de equipamentos pela ICM.

[…].

115.O décimo denunciado LEONARDO MEIRELLES DE ALVARENGA, diácono da ICM, começou a prestar serviços ao PES no ano que assumiu a chefia do setor de contabilidade em 2007, posto ocupado até 2011 quando foi demitido por GEDELTI, WALLACE ROZETTI e ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA, segundo alega sem saber ao certo o motivo. Foi ouvido em oportunidades pelo GAECO, nos dias 04 e 05 de Dezembro de 2012, tendo apontado como causa primordial das irregularidades ocorridas no âmbito da ICM o tipo de gestão desenvolvida por GEDELTI, que dita as regras de forma autoritária e faz valer os seus interesses e entendimentos inclusive quando vão de encontro às deliberações da Comissão Executiva.

  1. A guisa de exemplo, mencionou o seguro de equipamentos de imóveis – contratado pela ICM por intermédio da empresa PULSO CORRETORA, de propriedade do pastor Maurício Caetano – cujas irregularidades não impediram que GEDELTI, mesmo havendo decidido a Comissão pela sua suspensão, ordenasse a manutenção do acordo e dos pagamentos ao citado pastor, favorecido em razão da afinidade e proximidade mantida com o antigo Presidente. LEONARDO apontou, ainda, que é comum a contratação de serviços por empresas de propriedade de membros da Comissão apesar dos impedimentos expressos no Estatuto (como no caso da MICROLINS e da funerária PRIMÍCIAS, do pastor WALLACE ROZETTI, da VILAMED, do pastor AMADEU LOUREIRO LOPES, e da ANGULAR SEGUROS, do pastor ANTÔNIO CARLOS PEIXOTO), constante do art. 10 (10a Alteração – 10/12/2011).

[…].

  1. Entretanto, as investigações revelaram e a própria Igreja confirmou, através de documentos encaminhados após requisição Ministerial, constantes do Anexo IX, pagamentos efetuados a diversas pessoas físicas (naturais) membros da ICM e jurídicas vinculadas direta ou indiretamente aos denunciados, num montante de R$ 24.823.688,19 (vinte e quatro milhões oitocentos e vinte e três mil seiscentos e oitenta e oito reais e dezenove centavos), conforme quadro demonstrativo a seguir estampado:

[…].

  1. A testemunha Lucas Ávila de Araújo afirmou que sempre soube do envolvimento de toda a cúpula e Comissão Executiva da ICM nas irregularidades noticiadas, pois, de forma rápida e cristalina, alguns Membros enriqueceram injustificadamente, ostentando imóveis de alto padrão, veículos e lazeres suntuosos (fls. 07 do Anexo III).

[…].

  1. LEONARDO ALVARENGA, ao ser ouvido, deixou claro que as notas fiscais eram sempre submetidas à análise e aprovação nas reuniões semanais da Comissão, recebendo carimbos ou assinaturas extras que autorizam os pagamentos, de forma que seus membros tinham plena consciência da ilicitude dos atos que eram ali praticados, a fim para justificar a salda de valores do caixa do Presbitério, supostamente para quitação de débitos com a prestação de serviços ou o fornecimento de produtos, algo que somente ocorria no papel. O acusado LEONARDO afirma, ainda, que MARIO MORAES utilizava valores das contas da ICM, retirados por meio da emissão de notas fiscais sem lastro, para atender ordens de seu interesse pessoal, tais como a construção com o dinheiro da Igreja de uma casa para uma empregada doméstica de Jureth Moraes, irmã de Mário.

[…].

  1. Com relação aos documentos apreendidos em sua residência, LEONARDO destaca que a Empresa PREGOS E TRECOS, pertencente ao pastor JORGE ELAU, também fornecia notas inidôneas para o Maanaim-ES. Ainda nos documentos, há especificação de que o pastor Ailton Nunes recebia espécie de salário também por meio de pagamento via notas fiscais inidôneas. ANTONIO ÂNGELO, ao prestar as suas declarações (fls. 1100/1109), foi questionado acerca dos saldos bancários e volume de dinheiro arrecadado na ICM, respondendo que o denunciado WALLACE era o responsável por assinar toda a documentação.
  2. WALLACE não ficava adstrito à documentação apresentada, vez que detinha poderes executivos outorgados para tanto e cabia a ele conferir e atestar os documentos apresentados, sendo que estes poderes permitiam que pudesse rejeitar determinada nota fiscal ou conta ou ainda, submetê-las à Comissão Executiva. […].
  3. A considerável e incompatível evolução patrimonial apresentada por alguns dos denunciados demonstra o enriquecimento ilícito a acentua a ocorrência do desvio de valores no seio da Igreja Cristã Maranata, conforme gráficos elaborados pelo Laboratório de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro – LAB-MPES:

[…].

  1. f) WALLACE ROZETTI: movimentação financeira incompatível com os rendimentos nos anos de 2010 e 2011, alcançando até 4,73 vezes os valores recebidos.

[…].

  1. De todo o contexto exposto, minudentemente narrado, infere-se a reiterada e continua contratação de empresas pelo Presbitério, cujos sócios são fiéis membros da Igreja Cristã Maranata que, dependentes psicológica e espiritualmente, passavam a agir pautados por uma finalidade maior de ajuda à Entidade, submetendo-se a, de forma livre e consciente, emitir notas fiscais superfaturadas para possibilitar a saída de valores da Igreja em benefício da cúpula eclesiástica, sendo este o núcleo composto pelos emissores das “notas frias”.

[…].

  1. No que tange, ainda, ao estelionato praticado por GEDELTI VICTALINO TEIXEIRA GUEIROS; ANTÔNIO ÂNGELO PEREIRA DOS SANTOS; ARLÍNIO DE OLIVEIRA ROCHA; MÁRIO LUIZ DE MORAES; WALLACE ROZETTI; AMADEU LOUREIRO LOPES; ANTONIO CARLOS PEIXOTO; ANTONIO CARLOS RODRIGUES DE OLIVEIRA; JARBAS DUARTE FILHO; LEONARDO MEIRELLES DE ALVARENGA; CARLOS ITAMAR COELHO PIMENTA; O SÉRGIO CARLOS DE SOUZA, constata-se que os acusados agiram traindo a confiança dos fiéis que professam a religião Maranata, pois todos exercem cargos ou ministérios naquela denominação, seja na condição de pastores, diáconos, presidente, vice-presidente, tesoureiro etc., o que atrai a incidência do art. 61, inciso II, alínea “g”, do Código Penal (agravante).

Como se vê, narra a denúncia que o recorrente e demais acusados de modo convergente e em conluio, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de doações, dízimos e contribuições oferecidas à Igreja Cristã Maranata, de tal modo que, aproveitando- se da imunidade tributária aos templos de qualquer culto, prevista no art. 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição Republicana de 1988, viabilizaram a utilização dos recursos pertencentes á ICM em proveito e regozijo próprio, indicando que a organização ora denunciada era subdividida e estruturada em setores específicos, cada um colaborando da sua forma para alcançar o objetivo criminoso em busca de uma forma individualizada de contraprestação.

No contexto de setorização de atividades criminosas da cúpula da igreja, o recorrente foi o Primeiro-Tesoureiro, muito hábil e conhecedor da área de tecnologia e informática, cabendo-lhe toda a parte de arrecadação, verificação de gastos, assinatura de cheques, pagamentos de contas, realização de balanços (fls. 1102), condição que lhe permitia cognição dos ilícitos praticados, sendo que sua conduta permitia o pagamento das notas emitidas de forma inidônea.

Ainda nessas circunstâncias, o paciente se coordenava com outros membros do grupo no intuito de praticar os crimes narrados, como na passagem onde descreve a denúncia que quando Júlio César chegava com os equipamentos, alguns denunciados, tais como, ANTONIO ÂNGELO, WALLACE ROZETTI e MÁRIO MORAES pediam para que Wellington encontrasse uma forma para pagar Júlio. Assim, como Júlio César não possuía nota fiscal, uma vez que os equipamentos eram adquiridos no Paraguai, Wellington buscava junto a outros fornecedores da ICM, notas fiscais que, na verdade, não representavam efetiva prestação de serviço ou fornecimento de produto, para justificar a saída de dinheiro do Presbitério e assim remunerar Júlio César.

Outra narrativa do Ministério Público traz também que aos equipamentos a serem destinados ao Setor de Informática, a pessoa encarregada de providenciar as notas era Halen, a pedido de WALACE ROZZETI, que confirmava a despesa.

Acrescente-se que o acusado, através de sua própria empresa, ou por outras que amealhava de fora, emitia notas fiscais superfaturadas ou sem a correspondente contraprestação de serviço, gerando para si e demais denunciados de enriquecimento ilícito, às custas dos dízimos entregues de boa-fé pelos frequentadores da Igreja Maranata. Como exemplo, um dos depoimentos prestados junto à Polícia Federal por Marcelo Lira Martins asseverou que também foram emitidas notas como forma de remunerar os serviços prestados pelas empresas de WALLACE ROZETTI (cursos a membros e funcionários da ICM), já que, pelo Estatuto da ICM não poderia ser feito pagamento direto a ele (evidenciando, sobremaneira, o meio fraudulento, artificioso).

Com efeito, a inicial acusatória demonstra o liame entre os fatos tidos com delituosos, com todas as suas circunstâncias, comprovada a condição do recorrente de primeiro tesoureiro da igreja, seu conluio com os demais membros da cúpula da mesma instituição, indicando que ele se utilizava de notas fiscais frias para desvio de valores repassados pelos fiéis a título de dízimo (e não para enriquecimento e satisfação de interesses pessoais de membros da cúpula da ICM).

Como sabido, o trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade, o que não ocorre no caso vertente. Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DO ART. 60 DA LEI N. 9.605/98. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA. AFASTAMENTO. NECESSIDADE DE AMPLO REEXAME DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP ATENDIDOS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

I – O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade ou a ausência de prova da materialidade ou de indícios mínimos de autoria, o que não ocorre na espécie.

II – Segundo firme jurisprudência desta Corte Superior, a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos e suficientes de autoria. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate.

[…]

V – Não se vislumbra a alegada inépcia da denúncia na hipótese, porquanto ela preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, permitindo a compreensão dos fatos e possibilitando o amplo exercício do direito de defesa.

[…]

Recurso ordinário parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (RHC 89.461/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/5/2018, DJe 25/5/2018.)

Com efeito, revela-se prematuro trancamento da ação penal por atipicidade da conduta por meio do presente remédio constitucional, verificando-se, ademais, que a inicial narrou o fato delituoso com todas as suas circunstâncias, permitindo à paciente o pleno exercício da ampla defesa, como assegurado constitucionalmente, no bojo da ação penal.

Demais disso, diferentemente do afirmado pela defesa do recorrente, o conjunto probatório mínimo se faz presente, como visto nos excertos da denúncia, constante de depoimentos e documentos diversos, inclusive enviados pela própria igreja (fl. 104) indicando a ocorrência dos ilícitos investigados.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso em habeas corpus.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 12 de março de 2020.

MINISTRO NEFI CORDEIRO

Relator

Edição nº 0 – Brasília,
Documento eletrônico VDA24781188 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): MINISTRO Nefi Cordeiro Assinado em: 14/03/2020 12:07:45
Publicação no DJe/STJ nº 2870 de 17/03/2020. Código de Controle do Documento: 0C2F30E4-5D87-499E-86E2-2E24E9AD498E

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Habeas Corpus – Denegado o trancamento de ação penal

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6 Respostas para “Habeas Corpus – Denegado o trancamento de ação penal”

  1. JUSTIÇA!!!

    A Maranata foi irremediavelmente e profundamente sacudida com ações investigativas da Polícia Federal e do Ministério Público Estadual e Federal.

    1) a Operação Naufrágio, 2008, anota a conduta do pastor da Maranata atrás de interesses ilegítimos junto ao TJ-ES (e apesar disto, com o dedo de dono da empresa ele foi designado interventor);

    2) a Operação Duty Free, 2009, alcançou diversos membros da Maranata com sentença condenatória pela Justiça Federal;

    3) a Operação Entre Irmãos, 2012, atrás de desvios de doações da Igreja Maranata entrou nos escaninhos do palácio da rainha desfigurada, apreendeu computadores, dossiês (com factoides) e muitas outras provas para as DENÚNCIAS oferecidas pelo MP – ES em 2013.

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    “Acrescente-se que o acusado, através de sua própria empresa, ou por outras que amealhava de fora, emitia notas fiscais superfaturadas ou sem a correspondente contraprestação de serviço, gerando para si e demais denunciados de enriquecimento ilícito, às custas dos dízimos entregues de boa-fé pelos frequentadores da Igreja Maranata. Como exemplo, um dos depoimentos prestados junto à Polícia Federal por Marcelo Lira Martins asseverou que também foram emitidas notas como forma de remunerar os serviços prestados pelas empresas de WALLACE ROZETTI (cursos a membros e funcionários da ICM), já que, pelo Estatuto da ICM não poderia ser feito pagamento direto a ele (evidenciando, sobremaneira, o meio fraudulento, artificioso).”

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2020/09/habeas-corpus-denegado-o-trancamento-de-acao-penal/

    “O SENHOR é minha bandeira.”

    CV

  2. À cada homem sincero e mulher honesta AINDA dependente emocionalmente da Maranata:

    1. Acesse o artigo, copie/imprima e distribua para os amigos.

    2. Entregue uma cópia ao pastor da unidade local e exija explicações.

    3. Leve a sério o exame das Escrituras e esteja pronto para fugir desse beco sem saída e salvar sua família da condenação dos falsos profetas.

    Artigos nesta Revista Eletrônica (INPI) expressam a liberdade de OPINIÃO.

    Leia a COTA DE DENÚNCIA em face de Gedelti Gueiros e Outros

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2013/05/maranata-19-denunciados-por-estelionato-formacao-de-quadrilha-e-duplicata-simulada/comment-page-4/#comment-28759

    Não estamos discriminando, falando mal ou ofendendo a Instituição, nem aqueles que fazem ou fizeram parte da administração; pelo contrário, criticamos a autodefesa, a avareza, a dissimulação consubstanciadas em diversas fraudes da liderança envolvida em processos na Justiça.

    O S T J e o S T F insistem em NEGAR TRANCAMENTO À AÇÃO CRIMINAL.

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/negado-habeas-corpus-pelo-stf/

    Por oportuno, estendemos o nosso braço e coração aos amados irmãos inconformados com heresias, mentiras e profetadas dos maus pastores que, por INTERESSES INCONFESSÁVEIS, apoiam esse governo oligárquico e pseudocarismático. Insuportável!!!

    “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho.” (2 Jo. 1.9 – RA-SBB)

    “O SENHOR é minha justiça.”

    CV

  3. Cavaleiro Veloz disse:

    Jogo sujo!

    A DECISÃO do Des. JOSÉ LUIZ BARRETO VIVAS, então Presidente do Eg. TJ-ES, de 7.8.2013, no Habeas Corpus de Gedelti Gueiros, nos dá uma pálida visão do que acontecia nas entranhas da oligarquia opressiva e sectária.

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2013/04/depoimento-de-gedelti-victalino-teixeira-gueiros/comment-page-3/#comment-28602

    Jogue a pedra no lago calmo e observe a formação de ondas: quanto maiores as pedras maiores ondas se formarão.

    No palácio da rainha desfigurada o jogo é sujo.

    O dono da Igreja delira com esse passatempo tenebroso: aparece e começa a jogar pedras; e o povo que se dane. Jogou 500 pedras em cima do povo para impedir a debandada de 2012. Empinou o nariz nessa nova debandada (2020) e está jogando mais 600 pedras em cima do povo sofrido e temeroso.

    “quero que neste mês seja ungido 500 e ordenado todos os outros, não precisa seguir nenhum critério, só quero os pastores que se manifestaram indiferente com os acontecimentos, sejam deslocados de suas igrejas, caso eles recusem ou apresentem desculpas, receba isso como desistência do ministério, e não entregue igreja nenhuma a eles, e no final completou: esta orientação é para ser cumprida imediatamente, comesse a convocar os coordenadores das áreas, não quero nenhum papel aqui, nenhum dom, só quero que troque 1/3 dos ministérios, más vejam bem o que estaram fazendo, vc´s sabem que estamos passando tudo isso por causa de daqueles que levantamos com os dons que vc´s trouxeram. Nós não estamos precisando disso, precisamos segurar o que temos, vocês sabem disso.”

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2012/03/fabrica-de-meia-solas/comment-page-5/#comment-9169

    “Sem surpresas, e nem apelos, para esse tempo de definição, sabemos, antes de tudo, que a fé não é de todos, enquanto, nesse momento, estamos recebendo um grupo de novos pastores, aproximadamente 600 (seiscentos) aspirantes ao ministério que estarão assumindo os postos daqueles que abandonaram seus votos.”

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2020/09/ao-pastor-que-esta-saindo-da-maranata/#comment-27863

    O jogo sujo continua (quem lê entenda). Onde os dízimos correm para o ralo com propaganda na mídia, o elo da ética e da honestidade está perdido (quem lê entenda).

    O que era mantido em Segredo de Justiça (Denúncia de 08.05.2013) está escancarado: ao relatar Habeas Corpus recente o Ministro Nefi Cordeiro fez questão de colacionar pontos dessa Denúncia e negou o trancamento da ação criminal. O mundo ficou sabendo do despudor dos Judas da liderança da Maranata.

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2020/09/habeas-corpus-denegado-o-trancamento-de-acao-penal/

    Resta lembrar que o palácio da rainha desfigurada é mestre em instigação de ódio e o povo é obrigado à obediência de paus mandados obedientes ao presbitério chefiado pelo cabeça da oligarquia (governo de uma família e amigos) pseudocarismática.

    Se perguntar não ofender, Judas, cadê o dinheiro?

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2013/01/judas-cade-o-dinheiro/

    “O SENHOR é minha bandeira.”

    CV

  4. Hábitos de comportamento religioso

    Como nunca conseguiu impor a mordaça em defesa de seu ego doente com abundante evidência de frutos podres produzidos, o orgulho de o dono da Igreja o leva a dar tiros para todos os lados e impor o ódio religioso, ou seja: contra dissidentes e questionadores demanda no Judiciário enquanto espalha falácias e mentiras na mídia.

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2013/02/fabrica-de-demandas-judiciais/

    Correr com atas de elogios pelas Assembleias Legislativas, Câmara de Deputados e Câmaras de Vereadores expressa o fisiologismo político daquele que estufava o peito e prometia do púlpito: – esta Obra não se envolve com política.

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2018/02/interesses-da-maranata-em-sessoes-solenes-de-assembleias-legislativas/

    Jogo sujo, não?!

    O gedeltismo embaralhou a “doutrina dos apóstolos” com as falaciosas mensagens reveladas além da letra e começou a jogar cartas com os devedores da Obra.

    O jogo da persuasão com meias verdades, profetadas e revelagens de encomenda para manter-se no poder religioso, acima da liberdade de pensamento, de opinião e de prestação de contas.

    Ora, percebendo estes hábitos insanos, Satanás entrou no jogo como assistente-parceiro do cabeça da oligarquia prometendo-lhe vitória contra os imaginários inimigos da Obra; mas “o pai da mentira” cooperou com o mestre-profeta e ambos promoveram a queda do maranatismo rebelde e sectário.

    Por isso, e pelo que mais consta em centenas artigos e milhares de postagens, bem antes das prisões de pastores, em 2013, havíamos avisado: – um braço de Gedelti foi quebrado e o outro o Eterno e Todo-Poderoso está quebrando…

    Tenho firme impressão de que a liderança da Igreja Cristã Maranata ainda não entendeu os recados dos Tribunais de Justiça.

    “O SENHOR é minha bandeira.”

    CV

  5. Cavaleiro veloz disse:

    A Maranata denunciando dissidentes?

    Advogado-pastor ganhando fortunas para fazer a vontade do dono da Igreja?

    Contas bancárias de sete pastores, em 1986, recheadas com dinheiro das ofertas voluntárias. Este assunto consta na Denúncia do MP-ES, item 79, p. 28, Processo 16.637-86.2013.8.08.0024, na 2ª. Vara Criminal de Vila Velha-ES.

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2013/08/coisas-da-banda-podre/

    Dano irreparável foi causado pelos membros do governo oligárquico.

    Dano moral?

    Dano moral condena a Maranata.

    Denunciamos!!!

    Gedelti Gueiros discrimina funcionário: – endemoninhado!

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2015/07/dano-moral-condena-a-maranata/

    Gedelti Gueiros investiu contra músico, publicamente, provocando dano moral a exigir reparação. Sentença!

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/igreja-maranata-e-condenada-aindenizar-musico-ofendido/

    Judas, cadê o dinheiro?

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2013/01/judas-cade-o-dinheiro/

    Nesses domínios eclesiásticos o que mais falta é a confissão dos erros, compromisso com a Ética, com a transparência e com a verdade.

    http://cavaleiroveloz.com.br/index.php/2017/07/da-cumplicidade-a-etica-de-judas/

    NUNCA é tarde para o arrependimento de iniquidades e restituição do que foi arrancado da Tesouraria da Instituição; mas se não houver arrependimento “haverá choro e ranger de dentes”.

    “O SENHOR é minha bandeira.”

    CV

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